terça-feira, 29 de novembro de 2011

A ditadura militar brasileira


O Brasil viveu durante vinte e um anos sob um regime ditatorial militar. Este foi implantado em abril de 1964, objetivando, segundo princípios declarados, reorganizar o país, o qual, segundo os golpistas, estava vivendo uma desordem generalizada que colocava em risco o Estado de direito.

O golpe foi perpretado contra o presidente João Goulart (Jango), o qual já havia sofrido um golpe em 1961, quando da renuncia do presidente Jânio Quadros. Após este fato, setores políticos, militares e do empresariado, tentaram impedir a posse de Jango, alegando que o mesmo tinha uma ligação com setores esquerdistas. A solução encontrada foi a implantação do parlamentarismo no Brasil, solução esta, aceita também por Jango. Assim Jango assumia a presidência da república sem os poderes constitucionais do sistema presidencialista.

Sob o regime parlamentarista os problemas econômicos se agravaram. As disputas políticas entre o primeiro gabinete ministerial e o Presidente da República, eram evidentes, como também o eram as de projetos para sair da crise. Essas disputas levaram a constituição de outros dois gabinetes e foram resolvidas com a vitória do presidencialismo, vitória de Jango, no plebiscito de 6 de janeiro de 1963.

Assim Jango pode constituir seu ministério, livre das imposições parlamentaristas. A composição do mesmo demonstra a tentativa conciliadora de Jango, como afirma Toledo (1993, p. 42-43):
A análise da composição do primeiro ministério presidencialista, bem como o exame    crítico do Plano Trienal, anunciavam muito expressivamente o estilo conciliador que iria predominar durante o governo Goulart – autêntico “governo de trapézio”, segundo o julgamento de um jornalista político. (...) o Plano Trienal, na sua formulação teórica, julgava poder harmonizar e satisfazer interesses contraditórios – de patrões e empregados, de proprietários e trabalhadores.

O princípio conciliador se desgastou, pois o entendimento dos vários setores da sociedade era bastante diferente, e em muitos casos antagônicos, levando o plano ao fracasso, pois não houve crescimento econômico e a inflação continuou subindo.
O malogro do Plano Trienal e a percepção por parte de Jango de que sua tentativa de aproximação com setores da burguesia nacional e internacional não havia surtido os efeitos desejados, o levaram a buscar maior apoio na classe trabalhadora, através de seus organismos de representação (CGT, sindicatos) colocando como pauta principal de seu governo as reformas de base.

As principais reformas propugnadas eram: agrária, bancária, administrativa, fiscal, eleitoral e urbana. Dentre estas, o governo destacava como principal a reforma agrária, pois “era preciso aumentar a produção agrícola (alimentos que suprissem as demandas da população urbana em crescimento; matérias primas para a expansão industrial, etc.), ao mesmo tempo em que se buscava criar um mercado interno mais amplo para os bens manufaturados” (Ibidem, p. 54).
Os setores conservadores aproveitaram essa suposta “radicalização” de Jango, para promover uma forte campanha ideológica contra o governo ressuscitando o “fantasma” comunista, no qual propugnava-se que a reforma agrária seria a tomada das terras de forma indiscriminada, atentando assim ao supremo dos valores capitalistas, a propriedade.

Janeiro, no qual Jango discursou entusiasmado para milhares de trabalhadores, anunciando as reformas de base e em especial a desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras localizadas as margens das rodovias e a regulamentação da lei de remessas de lucro.
Se este comício foi o ápice da “radicalização” janguista, também o foi dos setores conservadores, que conseguiram, como já vinham tentando, aglutinar setores antes reticentes ao golpe a participarem dele (Igreja Católica, militares legalistas, políticos etc).

De um só golpe, Jango mexeu com os latifundiários, ao comunicar a reforma agrária, pelo pavor que estes têm de perder seus privilégios, ou de sentirem-se minimamente ameaçados, colocando em pânico a maioria da população, com auxílio da Igreja Católica e da mídia conservadora, por outro lado, mexeu com a burguesia nacional associada ao capital internacional, ao anunciar a regulamentação da lei de remessas de lucro.

Se o governo não era firme em sua radicalidade, os setores sociais o eram. De um lado a direita conservadora buscava freneticamente frear o que acreditava ser a comunização do Brasil, e de outro, setores nacionalistas e de esquerda, apoiados na grande mobilização dos trabalhadores, buscavam concretizar as reformas, que de comunistas não tinham nada, mas que poderiam, segundo estes setores, alavancar o desenvolvimento capitalista brasileiro.

O golpe que derrubou Jango da presidência engendrou-se neste contexto, como afirma Toledo:
A crescente radicalização política do movimento popular e dos trabalhadores, pressionando o Executivo a romper os limites do “pacto populista”, levou o conjunto das classes dominantes e setores das classes médias – apoiados e estimulados por agências governamentais norte-americanas e empresas multinacionais – a condenar o governo Goulart. A derrubada do governo contou com a participação decisiva das forças armadas, as quais – a partir de meados de abril de 1964 – impuseram ao país uma nova ordem político-institucional com características crescentemente militarizadas (Ibidem, p. 120).

O conjunto da burguesia, setores das classes médias, e da Igreja Católica apoiaram o golpe, pois viam nas mobilizações dos trabalhadores que apoiavam o governo de João Goulart e estavam em favor das reformas de base – reforma agrária, reforma educacional, reforma fiscal etc – uma radicalização comunista.
Os setores aliados com os militares golpistas esperavam que uma ditadura interrompesse a crescente organização popular e “restabelecesse a ordem”, retirando de cena as lideranças que dirigiam o processo de mobilização dos trabalhadores, para depois entregar o poder novamente aos civis. Por diversos fatores, que não nos cabe no espaço deste texto citar, a esperança de uma rápida intervenção militar não ocorreu, ficando os militares no governo brasileiro durante 21 anos.

A primeira fase do governo militar foi marcada pela cassação de políticos, sindicalistas e a perseguição aos militantes de esquerda. No período de 1964 a 1968 ficou mantida uma certa liberdade de expressão, o que permitiu a crítica aos militares a partir de jornais ligados a setores da esquerda e, principalmente, de artistas engajados no restabelecimento da democracia.

A segunda fase do governo militar inicia-se em 1968, quando, enfrentando grandes mobilizações, os militares editam o Ato Institucional número 5 (AI-5), que ampliava os direitos do executivo, inclusive fechando pela segunda vez, o Congresso Nacional.Com o recrudescimento do regime militar, várias facções da esquerda partiram para o confronto direto, optando pela luta armada. O período de 1968-1974 foi marcado por uma forte repressão aos militantes de esquerda e aos movimentos sociais, que levou à morte de boa parte da esquerda organizada ou seu exílio no exterior.

Esse período foi marcado, também, por altas taxas de crescimento, que giraram em torno de 10% do PIB ao ano, o que muitos consideram o “milagre brasileiro”. Esse crescimento incorporou segmentos das classes médias e mesmo do operariado ao mercado consumidor de bens duráveis, o que contribuiu para que o regime militar desfrutasse de certo prestígio entre os trabalhadores.

Vários fatores possibilitaram este crescimento no período de 1968-1973. O desenvolvimentismo posterior 1955-1964 financiou basicamente o crescimento econômico e a substituição de importações, a partir da elevação do processo inflacionário. Como foram governos em geral comprometidos com as classes dominantes, mas que eleitoralmente mantinham bases populares, estes não puderam simplesmente adotar uma política econômica baseada na contenção salarial. Então optaram pela aceleração inflacionária sem restrições aos aumentos salariais, pelo menos aparente, pois o processo inflacionário deste período transferia renda dos assalariados para os capitalistas, já que estes repassavam os custos do aumento salarial, para a maioria trabalhadora.
Essa política só poderia ser mantida se como afirma Singer (1972, p. 51):
O esquema inflacionário de redistribuição de renda e acumulação de capital poderia funcionar indefinidamente desde que: a) ele fosse aceito ou tolerado politicamente pelos que mais tinham a perder com ele e que formavam a maioria do eleitorado e b) desde que a taxa de elevação de preços pudesse ser mantida razoavelmente estável, tornando-se previsível, portanto, de modo a possibilitar o cálculo econômico dos empresários e dos funcionários que formulavam a política econômica.

A partir do momento em que o aumento do custo de vida ultrapassa os 50% (1961), a maioria submetida aos efeitos inflacionários percebe ou toma consciência de suas constantes perdas salariais. Essa tomada de consciência leva setores significativos dos trabalhadores a reivindicar cada vez mais reajustes salariais, reforçando a luta econômica que através de mobilizações crescentes torna-se “quase permanente, pois mal um reajustamento havia sido ganho, impunha-se logo preparar a luta pelo próximo” (Ibidem, p. 51).
Ora esse processo acaba elevando a consciência das classes trabalhadoras, que através das lutas econômicas, acabam participando cada vez mais da vida política do país.

A saída para a crise inflacionária só poderia ser feita sacrificando ou as classes dominantes, retraindo o lucro ou os trabalhadores, não permitindo aumentos salariais. Como já frisamos anteriormente, os governos anteriores ao golpe não podiam adotar nenhuma destas medidas, esta tarefa coube ao governo militar.
Este conseguiu debelar a inflação impedindo aumentos salariais e retirando a autonomia dos sindicatos frente ao Estado. Esse movimento possibilitou a queda geral dos índices inflacionários sem alterar o ganho de capital, ou seja, as classes trabalhadoras foram submetidas ao um forte arrocho salarial e, portanto sendo penalizadas para que a crise econômica fosse resolvida em favor das classes dominantes.Com a queda da inflação entre os anos de 1964-67, a economia brasileira obteve novo fôlego e, a partir daí foi possível a retomada do crescimento econômico em novas bases, como afirma Singer:
Para manter a política de crescimento econômico o governo militar manteve o controle dos salários e dos sindicatos, ao mesmo tempo em que concentrava cada vez mais a renda, essa “concentração da renda é impressionante, tendo aumentado consideravelmente entre 1960 e 1970. A metade mais pobre da população recebia algo mais que um sexto da renda total em 1960 e menos de um sétimo em 1970” (Ibidem, p. 66).
 
Outra variante importante para a manutenção deste crescimento econômico foi o endividamento externo. Se no período anterior ao golpe, as “torneiras” de financiamento externos estavam fechadas, a partir destes elas se abriram, principalmente pelo apoio dado aos militares pela burguesia internacional, pela “liberalização do comércio internacional, iniciado logo após a última grande guerra, com a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)”, também porque o Brasil sediava “sucursais dos conglomerados dos países importadores”, possuía “níveis salariais baixos e estáveis” como também praticava “uma política de estímulos às exportações” (Ibidem, p. 73).
Esse crescimento acelerado traria problemas futuros, como passou a acontecer a partir de 1970. Setores que anteriormente estavam trabalhando com capacidade ociosa, logo se viram em dificuldades, pois o aumento da demanda fez com que esses setores passassem a trabalhar com capacidade máxima e, mesmo assim, não conseguindo atender a demanda crescente, é o caso das indústrias siderúrgicas, por exemplo
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A saída para atender a demanda e continuar o crescimento foi incentivar as importações. Esta solução teria por algum tempo efeito positivo na economia nacional, mantendo as taxas de crescimento anteriores. Acontece que os pontos de estrangulamento da economia nacional eram enormes, e como afirma Singer “nem todas as mercadorias são importáveis. Em geral, não se importam serviços de comunicações, nem de transportes interno, nem de energia. Tampouco a escassez de mão-de-obra” (Ibidem, p. 135).
As importações brasileiras foram prejudicadas pela recessão mundial que se abateu a partir de 1973, dificultando a compra de uma série de matérias-primas, como por exemplo, o petróleo, que viveu uma séria crise a partir deste ano.
Ora essa escassez de matérias-primas e de produtos levaria conseqüentemente ao aumento da inflação. O governo para impedir este aumento, adotou a política de controle dos preços, bem como manteve o controle sobre o aumento dos salários. Acontece que tal política tem limites, e estes se manifestaram em vários setores da economia nacional, configurando em alguns casos verdadeiros mercados paralelos, que explicitam a inflação, porém não a oficial, controlada a pulso forte pelo governo.
A exacerbação do controle de preços gerou e, intensificou inclusive, atritos dos capitalistas com os governantes, pois em muitos casos não foi possível controlar os reajustes salariais dada a escassez de mão-de-obra qualificada, ou mesmo, o controle dos preços de insumos fundamentais, dado a pouca oferta e a grande procura.
Como se vê, pouco resta do chamado “modelo”, o qual não passou de um elenco de políticas econômicas ajustadas a uma fase de alta conjuntural da economia. O boom (grifo do autor) começou a esgotar-se em 1973 e a mudança de conjuntura em 1974 forçou a mudança da política econômica. Se se quiser, um novo “modelo” está em gestação, embora seja duvidoso que ele venha a ter o mesmo glamour (grifo do autor) do que acaba de ser enterrado. É que as opções que se abrem ao país são mais incertas. A inflação está longe de estar domada e o anseio geral por justiça social, que explodiu nas eleições de novembro, deve dificultar a adoção de políticas de contenção de consumo dos grupos de baixa renda, que constituem a grande maioria da população (Ibidem, p. 166-167).
 
Apesar de toda a repressão vivida neste período, novos movimentos sociais começam a surgir a partir de 1970. São movimentos que questionam, no início, principalmente os baixos salários e as péssimas condições de vida dos trabalhadores em geral. Segundo Eder Sader esses movimentos iniciam-se a partir da crise de três instituições:

Da Igreja Católica, sofrendo a perda de influência junto ao povo, surgem as comunidades de base. De grupos de esquerda desarticulados por uma derrota política, surge uma busca de “novas formas de integração com os trabalhadores”. Da estrutura sindical esvaziada por falta de função, surge um “novo sindicalismo” (SADER: 1988, p. 144).
 
Esses movimentos sociais serão, ao longo da década de 70 e 80, atores privilegiados nas lutas pelo atendimento das demandas dos bairros, como saúde, educação, água, esgoto etc, organizados principalmente pelas Comunidades Eclesiais de Base, nos clubes de mães e movimentos de saúde. Essas organizações são de extrema importância, pois ao aglutinarem setores dos trabalhadores que estavam desorganizados, propiciam a troca de experiências e discussões políticas. Tais trabalhadores no princípio demonstram uma total aversão à política mais geral, mas no transcurso de sua organização percebem a necessidade de sua participação e organização na luta por direitos e pela melhoria de suas condições de vida.

Temos assim, nessa nova configuração das classes populares, formas diferenciadas de expressão, que se remetem a diferentes histórias e experiências. Nos clubes de mães suas práticas expressaram a valorização das relações primárias e da própria afirmação das conquistas da fraternidade. Já nas comissões de saúde vimos a valorização das conquistas obtidas nos espaços dos serviços públicos. Na oposição sindical, a valorização da organização e da luta na fábrica. No sindicalismo de São Bernardo, a valorização da recuperação do sindicato como espaço público operário, e as greves e assembléias de massa como formas de afirmação política (Ibidem, p. 312-313).
 
Do ponto de vista sindical, as lutas se traduziram numa onda grevista localizada principalmente no ABC paulista nos anos de 1978, 1979 e 1980, que teve como pano de fundo principal as reivindicações salariais. Antunes afirma que, apesar de existirem várias reivindicações, “o que centralmente motivou a eclosão grevista foi a necessidade de contrapor-se ao arrocho salarial” (grifo do autor), e esta acabou absorvendo contornos nitidamente políticos expressos “no confronto que efetivaram contra a base material e a superestrutura jurídico-política da autocracia burguesa” (ANTUNES: 1988, p. 416).

É neste clima político e econômico que uma forte campanha por eleições diretas intensificou a luta contra a ditadura militar. Esta campanha tem origem com a apresentação de uma emenda constitucional, por Dante de Oliveira, um novato deputado do PMDB, partido de oposição ao regime militar, que propunha eleições diretas para presidente da república em 1984, ou seja, para o substituto do último General Presidente, João Batista de Figueiredo.Com um início tímido, a campanha gerou uma forte mobilização popular, que chegou a levar às ruas e praças aproximadamente dez milhões de pessoas. Todos os partidos de oposição ao regime militar, em maior ou menor grau, se envolveram na campanha, contando inclusive com a presença de uma parte significativa do partido do governo, o PDS.

Em 25 de abril de 1984, a emenda foi votada no Congresso Nacional, em primeiro turno pelos deputados e foi rejeitada, por não alcançar os 2/3 necessários para sua aprovação. Faltaram apenas 22 votos.
Com a rejeição à emenda pelo Congresso Nacional, aprofundou-se a negociação entre setores da oposição, liderados principalmente pelo Governador do estado de Minas Gerais, Tancredo Neves, e o governo militar, o que resultou na eleição indireta pelo colégio eleitoral de Tancredo Neves para Presidência da República.




Referências
ANTUNES, R. A rebeldia do trabalho. O confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978/1980. São Paulo: Ensaio, Campinas UNICAMP, 1988.
PRIORI, A. Golpe Militar na Argentina: apontamentos históricos. Maringá: UEM, Revista Espaço Acadêmico, nº 59, abril, 2006.
SADER, E. Quando novos personagens entram em cena. Experiências, Falas e Lutas dos Trabalhadores da Grande São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SINGER, P. I. O “milagre brasileiro”: causas e conseqüências. São Paulo: CEBRAP, 1972.
__________. A crise do “milagre”: interpretação crítica da economia brasileira. Rio de Janeiro: Paes e Terra, 1977.
TOLEDO, C. N. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1993.